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Sentido de renda na MP 690/2015 suprime direitos do contribuinte

A Medida Provisória 690, aprovada em 30 de agosto deste ano, trata da proibição de empresas, submetidas à tributação pelo lucro presumido ou arbitrado, efetuarem a aplicação dos percentuais de presunção de lucro (32%), para fins de IRPJ e CSLL, sobre a receita bruta decorrente de cessão de direitos de autor, imagem, nome, marca ou voz de que seja titular um de seus sócios.

Em sua exposição de motivos, observa-se que sua intenção é a de, justamente, evitar a obtenção de tributação reduzida por parte de titulares de direitos patrimoniais (autor e marca) e de personalidade (imagem, nome e voz), que constituem pessoas jurídicas visando à tributação pelo lucro presumido, que se pode tornar mais favorável.

Eis o que diz a MP:

“Art. 8º A Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, passa a vigorar com as seguintes alterações:
‘Art. 25.  (...). § 6º  As receitas decorrentes da cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que seja detentor o titular ou o sócio da pessoa jurídica devem ser adicionadas à base de cálculo sem a aplicação dos percentuais de que trata o art. 15 da Lei nº 9.249, de 1995.’” [dispositivo cujo conteúdo se repete em todas as outras duas alterações (Art. 27 e 29 da Lei 9.430/96)].

Pouca importância se deu, desde sua edição, a essa fatídica Medida Provisória, que já se vai com mais de um mês de existência jurídica e com pouquíssimos comentários a seu respeito. À exceção deste aqui, da ConJur: MP que altera tributos de atividades personalíssimas é inconstitucional.

De início, já vale o registro de que esse documento legislativo somente poderá ser aplicado a fatos ocorridos a partir de 1º de janeiro de 2016; e isso se convertida em lei até a data de 31 de dezembro de 2015 (CR, art. 62, § 2º).

A referida MP exclui, assim, dos percentuais fixados por lei a título de presunção do lucro (32%) – base de cálculo do IRPJ e CSLL – a receita bruta das empresas submetidas ao regime de Lucro Presumido e Arbitrado, cujos sócios pessoas físicas sejam “detentores” (proprietárias ou possuidoras) dos direitos que se refere. Desse modo, a receita bruta proveniente destes direitos deverá ser considerada integralmente (100%) na composição da base de cálculo.

Como argumento, menciona-se que essas atividades personalíssimas de administração de direitos não teriam potencial para gerar grandes despesas dedutíveis, de modo que o percentual de presunção de lucro legalmente atribuído (32%) não refletiria a realidade de despesas e lucros destas sociedades empresárias e seria artificialmente utilizado para gerar benefício de redução de tributação considerado indevido.

Renda: construção do sentido possível
Observa-se, assim, que se tenta, com essa nova legislação, inviabilizar a adoção por parte dessas empresas do regime de Lucro Presumido e tornar ainda mais gravosa a penalidade de tributação pelo Lucro Arbitrado – que já sofre o adicional de 20% sobre a sua base presumida (Lei 9.249/95, art. 16) –, violando a livre iniciativa constitucionalmente consagrada; ao invés de simplesmente vedar seu o enquadramento a estes regimes, obrigando-as ao lucro real, como já ocorre com determinadas atividades (L9.718/98, art. 14).

Ocorre que essa atitude viola não só a livre iniciativa, mas, também, os preceitos da isonomia (CR, art. 150, II), da capacidade contributiva (CR, art. 145, § 1º) e de vedação ao confisco (CR, art. 150, IV), que conferem os contornos objetivos do conceito constitucional de renda estabelecido na norma de outorga de competência tributária (CR, art. 153, III).

Primeiro, porque determina que tais empresas migrem obrigatoriamente para um modelo distinto daquele que livremente poderiam escolher para organizar seus negócios, de tributação na pessoa física ou pelo lucro real, inviabilizando a atividade empresarial.

Segundo, porque não há elemento de discrimen juridicamente válido para estabelecer distinção entre estas atividades empresarias de exploração econômica com outras que continuam permitidas a adotar os índices de presunção de lucro, como serviços profissionais, de corretagem ou de administração de bens e demais direitos (holding patrimonial ou participações).

Terceiro, porque estabelecem uma presunção absoluta (juris et de jure), que não comporta comprovação em contrário, o que é extremamente danoso e questionável em matéria tributária, sobretudo para efetivação do princípio da capacidade contributiva em seu viés objetivo e de vedação ao confisco.

E, ainda, quarto, porque, com a presunção estabelecida, cria, por lei ordinária, tributo novo (CR, art. 154), incidente não mais sobre a “renda” – conceito que inclui os “proventos” – (CR, art. 153, III) ou “lucro” (CF, art. 195, I, “c”), mas sobre a “receita bruta”, violando a capacidade de contribuição sobre renda do sujeito passivo do imposto e estabelecendo confisco de bens e direitos.

Não há impedimento legal na legislação civil de regência a que essas atividades personalíssimas sejam caracterizadas como empresárias e constituam elemento de empresa; muito pelo contrário (CC, art. 966, parágrafo único). Além disso, a Constituição da República, ao estabelecer o modelo de tributação brasileiro, trabalhou com um rígido regime de definição de competências, elegendo as materialidades possíveis e passíveis de sujeição à tributação por cada ente federativo.

São as normas constitucionais de competência tributária que ao investir determinado ente na competência legislativa, conferem legitimação e poder para o seu exercício e ao mesmo tempo em que outorgam poderes para tributar, limitam este mesmo poder, ao exato campo de sua previsão.

Logo, ao escolher institutos como a renda, receita bruta, faturamento, produtos industrializados, circulação de mercadorias, prestação de serviços, a Constituição Republicana não somente concedeu poder para sua tributação, outorgando competência e legitimando os entes estatais a esta toada, mas também o limitou, de modo a não permitir que destes institutos se venha a desbordar. Todo poder é moderado, limitado aos exatos termos em que concedidos.

Tais limitações podem ser compreendidas não só pela análise das normas principiológicas do sistema constitucional, dos direitos fundamentais e, no caso tributário, das normas de imunidades; mas, também, o que é muito olvidado pelos juristas, pela acepção semântica do termo constitucionalmente utilizado (conforme doutrina das escolas dos professores Paulo de Barros Carvalho, Roque Carrazza, Lenio Streck e outros).

Ao se estabelecer a inviolabilidade da vida em solo constitucional, não pode o legislador derivado (emendatário, complementar ou ordinário), a pretexto de instituir regulação a este direito, determinar que a vida se inicia em momento distinto que não o da concepção uterina; por exemplo, aos seis anos de idade, o que seria manifestamente inconstitucional.

Isso porque, ao assim operar, estará, em verdade, alterando o desígnio de proteção constitucional, limitando inadvertidamente o alcance da inviolabilidade preconizada para proteção do bem jurídico vida. E a rigidez constitucional se esvai. A Constituição torna-se uma obra da lei, e não o contrário. Teremos uma constituição em leis.

Ora, a linguagem jurídica descola da realidade social, criando nova realidade e constituindo uma form(ul)a própria, que ganha vida. Os sentidos jurídicos não dependem dos sentidos sociais dos termos. E os sentidos constitucionais, por sua vez, independem dos sentidos infraconstitucionais (hierarquia normativa). Tudo isso para que não se tenha uma Constituição em leis, mera obra retórica sem efetividade e concretude semântica; ou uma Constituição voluntarista, que se altere ao sabor do vento e de seu sempre “bem intencionado” intérprete.

É desta forma que, ao se estabelecer a tributação constitucional sobre a renda (CR, art. 153, III) ou lucro (CR,195, I, “c”), pelo IRPJ e CSLL, não se quis outra coisa a não ser limitá-la a isso, e apenas isso. Caso contrário, representar-se-ia manifesta violação à capacidade de contribuição do contribuinte (capacidade de concorrer financeiramente para a obrigação tributária) e à norma de vedação ao confisco. Eis o limite atribuído à norma de outorga de competência legislativa tributária do IRPJ e da CSLL, que serve de balizamento à efetivação destes princípios.

A MP debatida, porém, descola dessa lógica constitucional de distribuição de competências. Ao limitar o percentual legal de presunção de lucro para algumas as empresas que determina, institui presunção absoluta, não constitucionalmente autorizada, que revela uma verdadeira tributação sobre a “receita bruta”, desbordando dos contornos constitucionalmente estabelecidos.

Renda e lucro, conforme já bem definido em doutrina, são compreendidos como o acréscimo patrimonial positivo e de caráter definitivo. Somente será renda, e não coisa diversa, o produto que efetivamente represente incremento ao patrimônio de uma pessoa, seja ela física ou jurídica. E apenas pode ser considerado incremento ou acréscimo aquela quantia nova que pertença verdadeira e definitivamente ao seu recebedor. Caso contrário outra coisa será.

Ao impedir a aplicação do percentual presumido de lucro tributa, a referida MP, o que renda/lucro não é. Exerce tributação, assim, não somente sobre a renda/lucro, mas, também, sobre a despesa incorrida: ou seja, sobre a receita bruta auferida.

Desse modo, fugindo dos balizamentos constitucionais estabelecidos, para a outorga de competência, exerce verdadeira tributação de caráter confiscatório de bens, desrespeitando a lógica da capacidade contributiva objetiva, que é aquela que estabelece a limitação da tributação apenas sobre uma manifestação de riqueza. Não qualquer riqueza, mas apenas aquela constitucionalmente autorizada.

Somente se pode exigir um imposto na exata medida da manifestação de riqueza ostentada e constitucionalmente autorizada. Caso contrário não se haverá capacidade de contribuição para concorrer àquele imposto que ostentará verdadeiro efeito confiscatório.

É clara disposição constitucional que veda a utilização de tributo com efeito confisco (CR, art. 150, IV). Será confiscatório, pois, todo e qualquer tributo que exceda aos seus limites constitucionalmente estabelecidos. Por certo, todo tributo que atinja conceito diverso daquele constitucionalmente previsto (sua materialidade possível) estará violando a propriedade privada e a liberdade individual do cidadão.

Como dissemos acima, representam limites constitucionais não apenas as regras e princípios, os direitos e as garantias fundamentais, mas também, a amplitude semântica do texto – o sentido do texto –, que é sempre um sentido possível e passível de construção dentro sistema jurídico.

Não podemos atribuir o sentido que queremos às coisas. Estamos eminentemente sujeitos aos seus contornos e balizamentos, sobretudo os de ótica constitucional. São as normas constitucionais que ditam os sentidos possíveis, que são sempre passíveis de construção pelo intérprete, e não vêm prontos e acabados. Essa construção, por óbvio, tem que se dar dentro dos limites de sentido apresentados pelo sistema jurídico. Eis a importância da linguagem.

Afastou-se claramente desta amplitude semântica possível o legislador da debatida Medida Provisória 690/15. Desbordou, com isso, do sentido jurídico do princípio constitucional capacidade contributiva tributária, destacada em seu viés objetivo.

A capacidade contributiva é o balizamento que estabelece o denominador comum na equação entre o valor que se pretende arrecadar e aquele que se é possível obter. Ela determina – ao menos deveria – a exata medida da tributação, de modo que esta não venha a exacerbar seus limites, tributando além da riqueza recebida e além das capacidades apresentadas.

Ao estabelecer presunção absoluta de ausência de despesa dedutível (ainda que igualmente presumida), a referida MP exerceu, portanto, tributação sobre o que não é manifestação de riqueza, violando o princípio balizador da capacidade contributiva constitucional.

Os regramentos de apuração de renda/lucro, dentre eles o modelo da presunção, servem justamente para conferir legitimação constitucional à legislação infraconstitucional de tributação sobre a renda. Eliminando-se completamente essa técnica de apuração do lucro tributável, está-se a exercer tributação sobre o que não representa manifestação de riqueza objetiva alguma, porque não é renda. Afinal, presunção absoluta não pode imperar contra norma constitucional, mas tão somente a favor.

Não bastasse isso, houve instituição, por parte desta Medida Provisória aqui destrinchada, de um modelo de tributação diferenciado para pessoas que se encontram em igualdade de condições, sem a menor justificativa jurídica válida (elemento de discrimen), o que inviabiliza, ainda, a livre iniciativa profissional.

Atividades outras que também possuem poucas despesas, como a de serviços profissionais, de administração de bens e demais direitos (holding patrimonial ou participações) ou corretagem, não se encontram impedidas de aplicar o percentual de presunção de lucro. E não há qualquer argumento subsistente para que se possa justificar a quebra de igualdade nesses casos. Não há elemento que justifique a discriminação a bem da igualdade.

A tributação da totalidade da receita via Imposto de Renda subverte totalmente o sistema, impedindo, assim, a livre iniciativa do cidadão na organização dos negócios em forma de uma pessoa jurídica, que é fundamento não só do Estado Republicano (CR, art. 1º, IV), como, também, da própria ordem econômica brasileira (CR, art. 170).

Esse modelo de tributação estabelecido, ao vedar a aplicação do percentual de presunção de lucros a pessoas jurídicas que explorem determinados direitos patrimoniais ou personalíssimos de seus sócios, obriga a escolha de um modelo de tributação distinto daquele que é pretendido, mesmo na ausência de norma proibitiva de sua escolha, o que acaba, portanto, por impedir o livre exercício de atividade econômica destes agentes, como é assegurado pelo texto constitucional (CR, art. 170, parágrafo único).

Dessa forma, solução outra não há que não concluir pela inconstitucionalidade da norma estabelecida no art. 8º da Medida Provisória 690/2015, que representa uma verdadeira supressão de direitos constitucionalmente consagrados para a proteção do contribuinte.

Por Henrique Santos Raupp

Henrique Santos Raupp é especialista em Direito Tributário pelo Ibet (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários) e advogado tributário da MPO Sociedade de Advogados.

Fonte: ConJur

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