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“O Fisco está matando a galinha dos ovos de ouro”

Roberto Quiroga, sócio do escritório Mattos Filho ( foto: Regis Filho/Valor/Folhapress)

Aos 54 anos, o paulista Roberto Quiroga, um dos fundadores do escritório de advocacia Mattos Filho, milita há mais de três décadas na área tributária. Conhece o assunto em profundidade: em uma conversa com a DINHEIRO, na manhã da sexta-feira 18, ele previu que a queda na arrecadação em agosto seria de 10%. Horas mais tarde, a Secretaria da Receita Federal confirmaria sua projeção, ao divulgar uma redução de 9,32% na cobrança de impostos. Quiroga avalia que o momento é muito propício para discutir a situação fiscal e tributária no País. Para ele, a situação do governo é de extrema fragilidade, devido à estrutura da arrecadação. E afirma, com todas as letras: a Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF) é um mal menor em comparação com outras medidas que o governo poderia tomar para elevar a arrecadação. A seguir, os principais trechos da entrevista:

DINHEIRO – O governo acena com a volta da CPMF. É um imposto ruim?
ROBERTO QUIROGA – Como tributo, a CPMF tem defeitos. É regressiva, ou seja, tributa mais profundamente os mais pobres. É um imposto em cascata, que onera todas as cadeias produtivas. Se formos analisar o princípio jurídico, ela incide sobre algo que não é econômico, a saber, a transferência de dinheiro de uma conta para outra. Mas vamos colocá-la em uma perspectiva histórica. A CPMF nasceu, no início dos anos 1990, de uma ideia do então deputado federal Marcos Cintra de Albuquerque, que defende um imposto único, de 1% sobre todas as movimentações financeiras. Só que, de único, o imposto virou mais um, até ser extinto, em 2008. E ela durou tanto porque tem várias vantagens.

DINHEIRO – Quais?
QUIROGA – Sua arrecadação é simples, feita automaticamente pelos bancos, e é muito difícil sonegar. Como a alíquota proposta é pequena, de 0,2%, não há incentivos para que o cidadão passe a usar dinheiro para evitar a CPMF. Por isso, se você ler as notícias com atenção, não verá grandes reclamações da população, e mesmo dos empresários, contra a CPMF. Há alternativas muito piores, que poderiam ser muito mais danosas sobre a economia. O Brasil está no limite da arrecadação e, pior, a situação é extremamente arriscada para o governo. Não dá para arrecadar mais.

DINHEIRO – Por que?
QUIROGA – Vou lembrar da fábula da galinha dos ovos de ouro. Um fazendeiro tinha uma galinha que botava um ovo de ouro por dia. Isso garantia uma renda, mas ele decidiu ganhar mais e matou a galinha para pegar a fortuna que havia dentro dela. Quando a abriu, não havia a fortuna. Agora, ocorre a mesma coisa. O ovo é o tributo. O fazendeiro é o Fisco e o contribuinte é a galinha, que bota um ovo de ouro por dia. Se o fazendeiro tentar extrair mais dinheiro, vai matar o contribuinte.

DINHEIRO – No início de setembro, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, disse em Paris, após participar de uma reunião da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que o brasileiro poderia pagar mais imposto de renda. O senhor concorda?
QUIROGA – Com todo o respeito ao ministro Levy, ele está comparando coisas que não são comparáveis. Vamos fazer algumas contas. A arrecadação federal em 2014 foi de aproximadamente R$ 1,2 trilhão. Os 27 Estados arrecadaram cerca de R$ 500 bilhões em impostos e contribuições estaduais, e os municípios levaram outros R$ 100 bilhões. Arredondando a conta, é mais de R$ 1,8 trilhão. Pensando em um Produto Interno Bruto (PIB) de pouco mais de R$ 5 trilhões, isso dá cerca de 36% de arrecadação. É muito, mas esse não é o principal problema. A base dessa arrecadação está ameaçada.

DINHEIRO – Como assim?
QUIROGA – Somando Imposto de Renda, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e a Previdência, o governo arrecadou R$ 727 bilhões no ano passado. Isso é 63,2% do total dos impostos federais. Tudo isso é imposto sobre a renda. Ou seja, é mentira que o brasileiro, seja pessoa física ou empresa, paga pouco imposto de renda. O imposto sobre a renda equivale a quase dois terços da arrecadação federal. É muito.

DINHEIRO – Mesmo em comparação com um europeu ou um americano?
QUIROGA - A alíquota individual pode até ser percentualmente menor, mas aqui estamos, novamente, comparando coisas que não são comparáveis. O que o ministro Levy disse em Paris? Que o brasileiro paga pouco imposto de renda quando comparado com os países da OCDE. Ele veio todo indignado, dizendo que nós temos de elevar a alíquota do IR. Só que ele não está dizendo uma coisa muito importante. O Brasil não faz parte da OCDE. A OCDE é uma organização de países ricos, e o Brasil é um país pobre. A renda per capita do brasileiro é um décimo da renda per capita dos cidadãos dos países da OCDE. Como um brasileiro pode pagar o mesmo imposto que um alemão? E note que eu nem comparei a qualidade dos serviços públicos. É absurdo querer cobrar os mesmos impostos pagos por um alemão ou sueco, quando se pensa que o alemão ou o sueco não têm de pagar por saúde e educação.

DINHEIRO – E por que não é possível tributar mais?
QUIROGA – Dados oficiais: apenas 4% dos trabalhadores assalariados formais ganham mais de R$ 4.000 por mês. É muito pouca gente. No caso dos autônomos e informais, esse percentual é menor ainda. Como cobrar mais imposto? Não há renda.

DINHEIRO – Algumas alternativas em discussão são criar novos impostos, como o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), estimular a repatriação de dinheiro não declarado no exterior e aumentar os impostos sobre heranças. 
QUIROGA – Essas alternativas são limitadas, e um cálculo mostra isso. Temos 13 impostos, sem contar as contribuições e a Previdência: sete federais, três estaduais e três municipais. Desses, seis impostos, quase a metade – o Imposto Territorial Rural, o IGF, o IPVA e o ITCMD, estaduais, e o IPTU e o ITBI, municipais – incidem sobre a propriedade, seja imobiliária, sejam os automóveis, ou as heranças e vendas de imóveis. Pois bem, a arrecadação de todos esses impostos, somada, não chega a 2% do PIB. É pouco.

DINHEIRO – Esse não pode ser o novo alvo do Fisco?
QUIROGA – Difícil. Historicamente, as pessoas têm mais resistência a serem tributadas na renda e na propriedade do que no consumo. Pegue um fumante, por exemplo. Ele sabe que paga 300% de imposto no cigarro, mas, para ele, o fumo está associado ao prazer, então nem reclama muito. Já o imposto sobre a renda é mais antipático. É fácil de entender o porquê: com a renda do salário ou da atividade empresarial a pessoa constrói sua riqueza, e ter de dividir o bolo com o governo é desagradável.

DINHEIRO – Mas por que não taxar mais a propriedade?
QUIROGA – Um comunista talvez defenda mais impostos sobre a propriedade, porque a considera uma injustiça social, mas isso é besteira. A tributação sobre a propriedade sempre é a que provoca a maior resistência. A propriedade é a renda acumulada. O contribuinte se sente roubado, pois ele pagou imposto sobre a renda, e depois tem de pagar de novo. Ao pensar nisso, o governo se esquece de algo muito importante. Tributar o chamado “andar de cima” não faz sentido em um país como o Brasil. Primeiro, o andar de cima é apertado. Depois, o andar de cima é esperto. Ele vai fazer tudo para não ter mais ninguém morando com ele. Isso não é um privilégio do Brasil. Na França, logo que tomou posse, o presidente François Hollande anunciou a intenção de tributar em 75% quem ganhava mais de € 1 milhão por ano. O que ocorreu? Os franceses ricos mudaram seus domicílios fiscais para a Rússia. O caso mais emblemático foi do ator Gerard Dépardieu, que até foi fotografado com um chapéu russo. Esse tipo de proposta tem uma eficácia limitada.

DINHEIRO – Por que não é possível elevar a tributação sobre as empresas?
QUIROGA – Vou te dar uma informação espantosa, que poucas pessoas sabem. Temos mais de um milhão de CNPJs ativos no Brasil. Desse total, 95% ou estão inscritos no Simples Nacional, ou pagam imposto por meio do regime de lucro presumido. No ano passado, essa multidão de empresas respondeu por apenas R$ 80 bilhões da arrecadação federal, ou seja, 6,7%. Atenção: 95% das empresas representam apenas 6,7% da arrecadação.

DINHEIRO – Por que isso ocorre?
QUIROGA – A renda não é concentrada apenas nas pessoas físicas, mas também nas pessoas jurídicas. Muitas empresas faturam pouco, e seus empresários ganham pouco, e é justo que sejam tributadas pelo Simples. E, atualmente, a sonegação diminuiu muito. Quando comecei a trabalhar, os empresários vinham até o escritório e perguntavam como faziam para sonegar. Hoje, eles perguntam como regularizar sua situação fiscal.

DINHEIRO – Quem paga a conta da arreadação?
QUIROGA – As empresas tributadas no regime de lucro real. Não são muitas, calculo que temos cerca de 15 mil delas nessas condições. Uma empresa já se enquadra no lucro real se faturar mais de R$ 78 milhões por ano.

DINHEIRO – Não parece muito.
QUIROGA – Não é muito. O problema é que boa parte dessas empresas que se enquadra no lucro real tem prejuízo, então não paga imposto sobre a renda, mas apenas sobre o faturamento. Não nos demos conta de que 80% do que o Fisco arrecada depende de duas variáveis, a renda das pessoas físicas e a receita das empresas. Ambas são diretamente influenciadas pela atividade econômica. Quando há uma crise, como agora, a pessoa física deixa de ter renda e consome menos. Com isso, a arrecadação cai. A queda do consumo reduz o faturamento das empresas, e elas pagam menos imposto. O Brasil não se deu conta de que a nossa base de arrecadação é concentrada e limitada. Só que o Fisco elevou a carga tributária de 20% do PIB, antes do Plano Real, para os atuais 36% ou 37%. É demais. Volto a dizer: o Fisco está matando a galinha dos ovos de ouro.

Fonte: ISTOÉ Dinheiro

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