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COMO NÃO SE PREPARAR PARA O E-SOCIAL?

Este texto dedico a todos os profissionais que trabalham com treinamentos


O eSocial é um projeto ainda a amadurecer, considerando os manuais publicados recentemente e as diversas dúvidas e falhas identificadas. Imagino que certamente o projeto passará por muitos ajustes nas regras de validação,e ainda creio que a parte operacional baseada em disparos de XM (algo inédito na escrituração trabalhista) não é um assunto encerrado porque ainda não foi submetida a um teste (pelo menos isso não foi publicamente informado) que dê um atestado de viabilidade para o tipo de escala de dados que estará sob sequenciamento lógico em cloud computing e a volumetria, imensa, que concerne a mais de 12 milhões de empregadores, 37 milhões de empregados, 19 milhões de autônomos (nem todos estarão), 7 milhões de funcionários públicos e 6,5 milhões de empregados domésticos, aproximadamente.

Contudo, apesar das polêmicas, resolvi abordar o tema da preparação partindo de um sentido inverso:

Como não se preparar para o eSocial?

Pergunta que considero tão interessante quanto o mote marqueteiro criado em torno do “prepare-se”.

GOVERNO FEDERAL

Vou começar pelo “pai da criança”, o governo federal. Para não se preparar adequadamente para o eSocial, é simples: basta o governo  adotar uma metodologia de disseminação de conhecimentos análoga ao que vem sendo trabalhado no Sped e suas elites de experts alheios ao contexto social dos projetos; uma elite que domina ambientes onde prevalece uma confusão entre as coisas que são interesses privados e a essência pública das questões envolvidas.

Para entender o que estou tratando, basta entrar no site do eSocial ou do Sped, e em sites privados que tratam sobre  temas correlatos, e fazer uma comparação sobre o nível de atualização das matérias. O governo, que invetou esse mundo digital, não parece capaz de impor uma cultura de informação socializada no mesmo grau de exigência técnica dos modelos desenvolvidos. Temos assim, a primeira forma bastante eficiente para não se preparar para o eSocial; o próprio governo sabotando a comunicação dos projetos.

Outra forma para que o governo não se prepare bem para o eSocial  consiste em ignorar a realidade dos que serão responsáveis pela escrituração. Quais são as maiores dificuldades de integração de dados na maioria dos empregadores e encarregados a este serviço?

O acesso a internet é satisfatório para um modelo assíncrono de disparos em XML, principalmente nas regiões mais afastadas de um país continental, refiro-me nas divisas dos estados? O modelo de contingência baseado em uma digitação direta em um portal web resolverá a questão quando a recepção via webservice estiver indisponível?

Qual a tipologia de sistemas mais adotada no Brasil entre escritórios contábeis, os maiores pontífices de dados para o fisco e a viabilidade de uma rápida adaptação ao modelo proposto diante das plataformas que dispõem? Não seria melhor aproveitar ao máximo o que os empregadores dispõem, usando modelos analíticos e ao mesmo tempo, simplificados?

Não vi qualquer publicação por parte do governo quanto a problematização apresentada e entendo  que não saber bem as respostas, e entenda-se esse “saber bem”, amparado em laudos técnicos e não apenas com base em achismos sob efeitos especiais em apresentações dos membros do Comitê, é algo fundamental para um preparo adequado a um sistema dessa envergadura.

SOCIEDADE

Resta saber se a sociedade está se preparando bem para o eSocial, afinal o projeto é apresentado pelos gestores como sendo uma “construção coletiva”, o que por sinal soa muitíssimo bem.

Tenho minhas dúvidas quanto a essa “construção coletiva”. Vejamos: O que organiza qualquer sociedade em termos de relações trabalhistas e institucionais? Sem dúvida, as leis que são pertinentes. Então, o nosso sistema de leis  está suportável, ou seja, facilmente tratável com a escrituração de fatos jurídicos trabalhistas pensada no eSocial, que venha de fato a trazer mais benefícios às partes envolvidas? Ou teremos no eSocial apenas mais um gigantesco sistema de registros digitais alimentados por escriturações em XML/Portal Web que na verdade deixarão explícita uma bagunça fiscal, um grande entulho de inconformidades que proporcionarão ainda mais receio e insegurança jurídica?

O que fazer? Revisar primeiro o sistema de leis ou esperar que um modelo de escrituração transforme uma realidade tão complexa, que sabemos, é marcada pela maioria de não conformidade?

Chego a conclusão preliminar de que ao não avaliar bem o sistema de leis e as implicações com o eSocial, a sociedade também não está se preparando para ter esse tão desejado banco de dados trabalhista, e o pior será observar a inútil  crença em uma mudança cultural  nas organizações mantendo o atual e arcaico sistema de leis, estimulador de muitos litígios.

EMPREGADORES

Quanto aos empregadores, apesar de termos um sistema de leis complexo ao extremo, que gera muita insegurança entre empregadores e custos desnecessários de burocracia,  não se deve usar estas evidenciais como desculpas para não observância de coisas elementares sobre o que entendemos ser uma saudável relação trabalhista.

A burocracia é uma necessidade social e devemos separar bem o nosso problema do exagero, com a necessidade de uma mínima organização baseada nos conhecimentos jurídico, administrativo, contábil e econômico. Ou seja, não é porque cumprir as regras no Brasil é algo complicado demais que devo ser negligente com coisa básicas, que envolvem o registro de empregados, prover boas condições de trabalho e ter registros bem organizados dos fatos trabalhistas.

O que dizer de um empregador que sequer elabora sua folha de pagamento e que entrega GFIP à esmo? Então, independente do grau de burocracia fiscal, é preciso ter um mínimo de recursos humanos na administração de quem se propõe a empreender e atuar como empregador.

Seja no eSocial ou na era em que situamos, do SEFIP/CAGED/RAIS/DIRF/MANAD/HOMOLOGNET/CONETIVIDADE SOCIAL, não se preparar para cumprir regras básicas, deixando de dar ao burocrático a devida atenção, não se justifica em hipótese alguma.

No eSocial, pelo disposto, se tornará mais latente o que chamo de propensão a trabalho em equipe multidisciplinar. O que é isso. Mesmo não tendo ainda uma equipe multidisciplinar sobre uma determinada demanda, é possível criar um ambiente corporativo para estimular os profissionais que lidam com burocracia, a interagirem mais com saberes das áreas até então ilhadas, no caso do eSocial, o DP; fiscal, contábil, e até mesmo certos meandros sobre segurança e saúde do trabalhador. É preciso demonstrar que essa busca tem vantagens que independem do eSocial, no sentido de melhorar o nível de conformidade dos trabalhos.

Porém, o que temos? Cada vez mais vem se consolidando uma geração de “apertadores de botões” que conhecem profundamente os sistemas que operam, mas que demonstram muitas dificuldades para buscar a multidisciplinalidade e sequer conseguem explicar o que escrituraram com os sistemas que tanto dão valor.

Exemplo: Em um inusitado teste para encarregado de DP, um profissional de seleção impôs uma prova envolvendo cálculos trabalhistas e tributários para candidatos que relataram profundos conhecimentos em sistemas ERPs bastante conhecidos no mercado. O resultado foi alarmante; o nível de aproveitamento ficou abaixo dos 30% quando se pediu para analisar divergências de GFIP com folhas de pagamento e cálculos de IR na fonte em rescisões contratuais.

Em outra situação, com uma avaliação usando um ERP, o candidato não conseguiu explicar um cálculo feito pelo sistema, envolvendo a Desoneração da Folha de Pagamento, embora tivesse a crença de que estava correto. Mesmo diante da sofisticação tecnológica, ficou difícil explicar nos detalhes, questões sobre anexos do Simples Nacional e a relação com a Lei 12.546/11,  a tributação previdenciária, FPAS, Terceiros, FAP. Conceitos envolvendo tomadores de serviços, empreitada, subempreitada, cessão de mão-de-obra, terceirização, além de diversos critérios de formação de bases para FGTS,  IR, Contribuição Sindical, enfim, demandas técnicas cujo domínio é indispensável a quem vai trabalhar escrituração analítica,  ficaram bem abaixo do desejado.

Como se não bastasse desconsiderar a importância de uma equipe com uma mínima propensão a ser mais multidisciplinar, o problema da não preparação se torna mais dramático quando se torna regra que o sistema de gestão (folha de pagamento/DP), “resolverá tudo”, ou seja, será a base da solução ao eSocial. Pensando assim, temos um exemplo típico de despreparação.

E votando à prova inesperada pelos experts em ERPs,  o que houve? O claro sinal de que em situações onde a interpretação dos fatos geradores exige conhecimentos sobre leis e regras tributárias, esse gestor tão focado na formação que recebeu do sistema, se demonstra programado a esperar um “pequeno” milagre todos os dias; que o seu adorável sistema deve se sobrepor e amenizar suas limitações de conhecimentos jurídicos, e assim, vai se empurrando com a barriga tamanha deficiência, o que será uma grande auto sabotagem na era pré-eSocial.

Sobreviverá no mercado esse tipo de profissional? Até quando?

O que concluo? Ao preferir mais investimentos em coisas (sistemas, ferramentas, modelos de integração, etc), em detrimento de investimentos que fortaleçam o  capital humano, haverá apenas mais um bom exemplo, agora da parte dos empregadores/escritórios contábeis, assim como dos próprios colaboradores, de como não se preparar adequadamente para o eSocial, assim como para qualquer modelo de escrituração digital, em que área for.

EMPRESAS DE SOFTWARE

Claro que deixei a “cereja do bolo” para o ramo onde trabalho com mais frequência, o de desenvolvimento. Como as empresas de software podem dar exemplos de que não estão se preparando bem para o eSocial? Primeiro, se continuarem com o padrão da “quantidade sobre a qualidade”. O que é isso? Tratam os clientes como mais um no turbilhão de serviços e não analisam se estão com a devida capacidade de atendimento adequado ao cenário provável com o eSocial. Então, o negócio é vender, e deixa que o suporte “dará um jeito”. Será?

Para ilustrar, participei de uma análise concorrencial envolvendo várias empresas, e muitas foram reprovadas por um critério que recomendei a um cliente, algo bem simples. Foi perguntado ao vendedor do sistema quantos usuários têm no mercado e ele respondeu com aquele brilho no olhar que sua empresa tem um punhado de “milhares” de clientes. Depois, perguntei pela estrutura de suporte; quantos colaboradores trabalham nessa área e apliquei uma simples divisão.  Houve casos com índice de 400 clientes para um atendente e o vendedor ficou sem resposta para a minha indagação nesse sentido.

Isso é o padrão da quantidade sobre a qualidade, o que será mortal no eSocial. Agora, vamos a um outro ponto de despreparo: A qualidade do suporte em relação ao que o eSocial demandará.

Exemplo: Vamos ao campo Indicador de Desoneração da Folha de Pagamento, no evento S-1000. Como será conduzido esse suporte se um cliente ligar não entendendo o parâmetro? Como ocorre atualmente, onde perguntas sobre aspectos da tributação são tratadas? Normalmente, com um certo escapismo. O problema se encerra com um “não é conosco”, ou talvez um “procure seu contador” (e quando é escritório, procure sua “consultoria”).

Seria melhor que empresas de software que não acordaram ainda para essa realidade, pensem em  parcerias de treinamentos com profissionais para capacitar seus atendentes nesse aspecto. Ou talvez seja melhor ainda trabalhar também com treinamentos de usuários, que vão além do que o sistema solicita, abrindo oportunidades para que os profissionais de DP busquem uma melhor interpretação do que estão escriturando. São pensamentos apenas. Sugestões…

De uma coisa tenho certeza, ignorar essas demandas é não se preparar para o eSocial, por mais preparado que esteja o “sistema”.

E por falar no “sistema”, como será um treinamento sobre o preenchimento dos novos campos, sem uma contextualização com o que as leis determinam? Será que funcionária dizer que “é assim”, sem explicar o “porquê de ser assim”? Exemplo: Por que será cadastrada mais de uma rubrica para AVISO PRÉVIO INDENIZADO?  O que um instrutor de software dirá? Que tal pedir ajuda aos universitários…

Insisto: A chave para essa questão está na sistemática adoção de treinamentos que vão além do que os sistemas trabalham e mergulham no mundo das leis, normas, regras e processos. Não considerar essa necessidade, é não se preparar para o eSocial.

ESTAMOS TODOS…



Acredito que o governo, ao não popularizar o tema, se fechando com a elitizada “família Sped”, juntando com uma sociedade que não consegue refletir sobre a complexidade de suas leis trabalhistas e a necessidade de reformá-las para viabilizar melhores modelos de informações depuradas, passando por empregadores e gestores que apostam frequentemente no empobrecimento de recursos humanos, comprando a tese da mediocridade por uma geração que entende de sistemas mas não sabe explicar o que ela mesma escriturou, e as empresas de software que apostam na massificação de usuários quase sempre bitolados e analistas de suporte limitados, todos, entre outras coisas mais, estão se sabotando para o eSocial,  e assim, servem de exemplo de como não se preparar para esta inevitável mudança.

Soli Deo gloria

Fonte: Desconfiômetro.

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