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Mundo Contábil | Pagamentos fraudulentos não servem para nada


Por Raul Haidar
Já se tornou comum a tentativa de justificar rendimentos de origem ilícita com alegadas receitas de consultoria ou assessoria empresarial, onde quase sempre as partes (quem teria prestado os serviços e quem os contratara) usam argumentos curiosos para justificar a operação.

Muitas vezes ninguém sabe que tipo de consulta compõe a consultoria, não existem cópias do parecer, não há forma de dimensionar o negócio e ninguém sabe quem são os técnicos que nela atuaram. Tudo, é claro, deve ser sigiloso por força de contrato. Quando as partes dão o nome de “assessoria”, também não está presente qualquer indicativo de quais negócios foram objeto do serviço, quem assessorou, como, quando, etc.

Quando vemos essa pantomima toda, ficamos em dúvida sobre quem são os idiotas: quem está tentando lavar o dinheiro ou os servidores públicos que se tornaram, de repente, os piores cegos, que são aqueles que não querem ver.

Qualquer contador recém formado sabe que a legitimidade de uma despesa lançada na contabilidade de uma empresa não se sustenta apenas porque uma nota fiscal foi emitida e o imposto foi pago. Qualquer despesa só é admitida se for necessária à atividade da empresa e à manutenção da fonte produtora dos bens ou serviços por ela gerados.

Se houver algum fiscal que aceita uma despesa como comprovada apenas porque está diante de uma nota fiscal ou fatura paga e contabilizada, cujo imposto foi pago, ou se trata de um despreparado ou faz parte da lavanderia.

O Regulamento do Imposto de Renda (Decreto 3.000/1999) diz:

Art. 299 – São operacionais as despesas não computadas nos custos, necessárias às atividades da empresa e à manutenção da respectiva fonte produtora.

§ 1º - São necessárias as despesas pagas ou incorridas para a realização das transações ou operações exigidas pela atividade da empresa.

§ 2º - As despesas operacionais admitidas são as usuais ou normais no tipo de transações, operações ou atividades da empresa.

Já o artigo 304 do mesmo regulamento afirma:

“Art. 304 - Não são dedutíveis as importâncias declaradas como pagas ou creditadas a título de comissões, bonificações ou semelhantes, quando não for indicada a operação ou a causa que deu origem ao rendimento e quando o comprovante do pagamento não individualizar o beneficiário do rendimento.”

O Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda tem decidido  no  seguinte sentido:

“PROVA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO – Nos pagamentos por serviços prestados é indispensável a comprovação da necessidade e efetiva realização dos mesmos.” (Acórdão nº 105-3.818/89 in Diário Oficial de 14/09/90).

“DESPESAS DEDUTÍVEIS – Para se comprovar uma despesa, de modo a torná-la dedutível, face à legislação do imposto de renda, não basta comprovar que ela foi assumida e que houve desembolso. É indispensável, principalmente, comprovar que o dispêndio corresponde à contrapartida de algo recebido e que, por isso mesmo, torna o pagamento devido.” (Acórdão nº 103-11.731 de 05/11/91, DOU de 28/03/96).

“SERVIÇOS DO CONSULTORIA – Para que as despesas sejam dedutíveis não basta comprovar que foram contratadas, assumidas e pagas. É necessário, principalmente, comprovar que correspondem a bens ou serviços efetivamente recebidos e que os mesmos eram necessários, normais e usuais na atividade da empresa. (Acórdão 101-84.454 , DOU 5/8/94).

O lançamento de suposta “consultoria” ou mesmo “assessoria empresarial” na contabilidade da empresa e sua dedução como despesa operacional depende, como a lei determina, de provas robustas de que os serviços foram prestados e são usuais na atividade de quem os contratou.

Tais serviços , pela sua própria natureza, não podem ser prestados por leigos, por pessoas que não possuam formação acadêmica compatível com o serviço que dizem prestar. Assim, se uma empresa formada por um veterinário e um filósofo, por exemplo, presta serviço de consultoria tributária, a despesa não pode ser admitida, ainda que ambos tenham eventualmente exercido alguma função no serviço público que se relacione com tributos.

Qualquer serviço de consultoria ou assessoria deve ser comprovado através  de relatórios, documentos, demonstrativos ou provas técnicas adequadas. Por exemplo: uma empresa de engenharia legalmente habilitada pode vender serviços de consultoria relacionados com exames de estruturas  de um edifício que se pretenda reformar para futura venda (“retrofit”). Ou ainda: empresa dedicada a pesquisas geológicas pode fornecer consultoria para a localização de jazidas minerais e avaliação de seu potencial produtivo para fins econômicos.

Serviço de consultoria ou assessoria não é algo indefinido. Devem estar presentes o objeto da consulta, a especialização do consultor, a finalidade do serviço e principalmente a necessidade do tomador do serviço. Sem tais condições  o fisco pode e deve glosar a despesa, além de poder considerar a operação como suspeita de ato ilícito.

Quando procuramos obter justiça tributária somos obrigados a não aceitar procedimentos ilícitos de terceiros que possam causar prejuízos ao erário. Se alguém por ai anda fraudando o fisco, deve ser punido, especialmente pagando o tributo e seus acréscimos, devolvendo ao poder público aquilo que de forma ilegal se apropriou. 

Não existirá justiça tributária enquanto não se respeitar o princípio da isonomia. Mas antes de chegarmos a isso temos um longo caminho a percorrer que começa pela redução da carga tributária.

De qualquer forma, a sociedade não pode aceitar essa história ridícula de que alguém pode obter ganhos expressivos fornecendo consultorias ou assessorias que se resumem a uma folha de papel. Nós, o povo, não somos totalmente idiotas. Um pouco, talvez, mas não totalmente.

Raul Haidar é advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

Fonte: Revista Consultor Jurídico

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